Convém delimitarmos o tema antes de adentrar em seu mérito, pois como se verá a seguir, este tem sido e promete continuar sendo objeto de debate.
O fenômeno da imunidade tributária impõe-se como forma de mitigação do poder estatal, decorrente de garantias e princípios do direito tributário, como princípio da legalidade , já parcialmente examinado neste blog, ao lado de outros que pretendemos discorrer ao longo desta jornada.
É perceptível que o legislador intentou preservar os mais variados valores ao reserva-los da incidência de impostos, como os valores sociais, religiosos, éticos e políticos estabelecendo, para isso, um rol de situações imunizadas na Constituição Federal. Em específicas circunstâncias, dotadas de intensa carga axiológica, o poder constituinte originário não previu a incidência de tributação, ressalvado neste sentido, situações estas que se caracterizam hipóteses de incompetência tributária (opinião majoritária da doutrina) ou de supressão da competência impositiva, conforme conceito de Misabel Derzi.
Esta definição é reiterada pelo professor Paulo de Barros Carvalho, entre muitos outros de grande propriedade, que a define como “a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas”.
Destarte, sob determinados campos haverá um manto protetor de não incidência tributária, condição sob a que se encontram os jornais, livros e periódicos e o papel destinado à impressão dos respectivos, conforme disposto no art. 150, VI, “d” da Constituição Federal.
Assim, a imunidade de imprensa, como é chamada, figura na Constituição Federal com natureza objetiva, atingindo bens ou coisas, diferentemente das demais ocorrências de caráter subjetivo por atingir pessoas.
Pode-se afirmar, sem dúvida, que os vetores axiológicos consagrados pelo legislador ao estabelecer uma norma protetora quanto aos principais veículos de comunicação e um de seus insumos, foram a liberdade de expressão, difusão da informação, assim como o incentivo a cultura e o direito à educação.
Cumpre-nos registrar posição do STF neste sentido, entendendo que o trabalho hermenêutico das situações consagradas como imunizadas deve se dar de modo extensivo, ou seja, ampliativo em seu sentido.
Todavia, infelizmente no que concerne este espinhoso tema, não é o que se vê na posição contraditória do Pretório Excelso, ao reconhecer que outros insumos destinados à impressão dos materiais de leitura, que não o papel, não são alcançados por tal beneplácito, o que implica em uma não tão efetiva promulgação dos valores (RE 174.476, Pleno, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 26-09-1996).
É compreensível que a imunidade ora comentada, por ser objetiva, não se estende a empresa jornalística ou a editora, entre outros sujeitos envolvidos na elaboração e comercialização. Mas entendemos que o cumprimento preso à literalidade do texto constitucional, quanto aos insumos para confecção destes importantes veículos, não estão rigorosamente cumprindo o fundamento de utilidade social, principalmente quando observamos que os demais insumos são os responsáveis pelos altos preços dos livros.
Recentemente, para nossa agradável surpresa, houve reconhecimento imunitório pela 1ª Turma do STF das chapas de impressão para jornais. O Grupo Editorial Santou impetrou mandado de segurança anteato do inspetor chefe da alfândega, alegando ter direito a isenção (ressalto que embora o texto constitucional e outros membros do meio jurídico possam se referir ao termo isenção, é pacífico que a leitura deve ser feita utilizando a expressão imunidade, por se tratar de equívoco conceitual), quanto ao ICMS, imposto de importação e o IPI no que concerne a peças sobressalentes para equipamento de preparo e acabamento de chapas de impressão offset. De autoria da União, o recurso julgado questionava a decisão favorável do juízo a quo, sendo confirmada pela Ministra Cármem Lúcia, que votou pelo desprovimento do recurso.
A divergência hermenêutica, que a priori deveria se dar de modo extensivo e que passou a se dar restritivamente por arbítrio do STF foi contrariada pela respeitável decisão. Provavelmente a douta Ministra foi seduzida pela tese que corre na doutrina, de que a interpretação extensiva deve ocorrer para contemplar a teologia da norma, isto é, os fins a que se destina. Esperamos que a jurisprudência evolua neste sentido, a ponto de tornar o nosso Estado Democrático de Direito capaz de assegurar e concretizar os vetores e princípios a que se propôs.
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