Desafios e perspectivas das rádios comunitárias no Brasil



O serviço de radiodifusão comunitária foi instituído no Brasil pela Lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, como uma importante conquista para a legalização da comunicação no país. No entanto, ao contextualizarmos historicamente, observamos que antes mesmo da década de 90, já existiam rádios livres e comunitárias que operavam à margem da lei, como é o caso da Rádio Favela (MALERBA, 2021). Originadas nos anos 60, essas rádios estavam inicialmente ligadas a movimentos sociais e eclesiásticos progressistas, como o Movimento de Educação de Base (MEB). Com o passar do tempo, as rádios comunitárias ampliaram sua atuação, abrangendo não apenas os movimentos sociais e de base, mas também movimentos de bairro, estudantis e organizações não governamentais, o que resultou em uma diversificação significativa do perfil dessas emissoras.


Importância social das rádios comunitárias: 

O processo de construção da democracia brasileira passa pela existência das rádios comunitárias (ANDRIOTTI, 2004), que atuaram no campo das desigualdades sociais, econômicas e políticas.

Nos dias de hoje, essas emissoras ainda exercem uma importante função social, pois servem como uma voz poderosa e autêntica para as comunidades locais em todo o país. Ao todo, temos 5.059 rádios comunitárias em todo o Brasil, que representam cerca de 51% da radiodifusão brasileira, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel): 


                                                                                            Anatel, 2023.

As rádios comunitárias exercem um importante papel de inclusão social ao funcionar como plataformas para discussões, interação e expressão dos cidadãos. Além disso, as rádios comunitárias desempenham um papel relevante para a cidadania, pois permitem o compartilhamento de informações locais sobre serviços públicos, oportunidades de emprego, eventos culturais, entre outros.

Desafios impostos:

No entanto, a realidade imposta às rádios comunitárias é marcada por diversos desafios e obstáculos que limitam a sua operação. Uma das principais restrições que se impõe é a limitação de potência prevista na legislação, segundo a qual uma rádio comunitária está limitada a operar com no máximo 25 watts de potência (art. 5º do Decreto nº 2.615, de 1998), resultando em um alcance de aproximadamente 1 km. Essa limitação de alcance torna-se inviável em regiões como a Amazônia, por exemplo, onde não se faz possível às rádios comunitárias existentes na região atingirem a toda a comunidade que pretendem alcançar.

Além disso, existem outras restrições de ordem financeira, como a limitação ao apoio cultural (art. 32) e a proibição de veiculação de publicidade (art. 40). Essas vedações dificultam a obtenção de recursos necessários para a criação e manutenção das emissoras.

Outro desafio enfrentado está no processo burocrático para a concessão de outorgas, estabelecido pelo Plano Nacional de Outorgas (PNO). A obtenção de licenças e autorizações é um processo complexo e demorado, o que pode desencorajar a criação de novas rádios comunitárias. 

A falta de recursos e capacitação técnica também afeta a qualidade das transmissões das rádios comunitárias. A ausência de profissionais capacitados e o acesso limitado a equipamentos modernos restringem o alcance e o impacto dessas emissoras.


Perspectivas e propostas:

Para fortalecer o papel das rádios comunitárias, é fundamental que o governo e a sociedade reconheçam sua importância e trabalhem juntos para superar os desafios. A recém criada Frente Parlamentar Mista em Apoio às Rádios Comunitárias representa um avanço nesse sentido, pois se propõe a discutir e revisar os entraves burocráticos previstos na legislação, atuar como representante do setor e promover debates com ampla participação popular.



Dentre as medidas essenciais para melhorar o ambiente de atuação das rádios comunitárias, além da simplificação dos processos de autorização, faz-se necessário modernizar os aspectos normativos que limitam os mecanismos de financiamento destas emissoras, para garantir a continuidade e a qualidade das transmissões.

Considerações finais:

As rádios comunitárias desempenham um papel vital na sociedade brasileira, proporcionando um espaço de inclusão, participação cidadã e diversidade cultural. Mais ainda. Elas preenchem os vazios informacionais, lacunas ou ausências de informações em determinadas áreas geográficas, grupos sociais ou temas específicos. 


No entanto, elas enfrentam desafios significativos, vocalizados pelas suas principais associações e grupos representativos, como restrições regulatórias, falta de recursos e limitações técnicas. Para fortalecer esse importante segmento, urge rever a legislação, simplificar os processos burocráticos, investir em capacitação e garantir a sustentabilidade financeira das emissoras. Somente assim poderemos garantir o pleno funcionamento das rádios comunitárias, permitindo que elas cumpram seu papel de promoção a democracia, a inclusão social e o desenvolvimento local.

Além disso, é importante promover o debate e a participação popular no processo de regulamentação das rádios comunitárias. Isso pode ser feito por meio de consultas públicas, audiências e fóruns de discussão, para que as vozes da sociedade civil sejam ouvidas e consideradas na definição de políticas e normas relacionadas a esse setor.

Em suma, a realidade das rádios comunitárias no Brasil envolve desafios significativos, mas também apresenta perspectivas promissoras, notadamente com a recente criação da Frente Parlamentar Mista. A revisão dos entraves burocráticos, o investimento em capacitação técnica, a busca por parcerias e o fortalecimento da participação popular são medidas essenciais para superar esses desafios e promover o pleno desenvolvimento das rádios comunitárias como importantes agentes de democratização da comunicação e promoção da cidadania.



REFERÊNCIAS:

Agência Brasil. "Cem anos do rádio no Brasil: rádios comunitárias." Radioagência Nacional, Brasília, 23 ago. 2022. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/cultura/audio/2022-08/cem-anos-do-radio-no-brasil-radios-comunitarias. Acesso em: 25 jun. 2023.

ANDRIOTTI, C. D. O movimento das rádios livres e comunitárias e a democratização dos meios de comunicação no Brasil. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Unicamp, 2004

DIREITOS HUMANOS NA MÍDIA COMUNITÁRIA: A cidadania vivida no nosso dia a dia. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000184194. Acesso em: 25jun2023.


INTERCOM - SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES DA COMUNICAÇÃO. Comunicação e cidadania: a importância dos meios de comunicação para o exercício da cidadania na sociedade contemporânea. In: XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2006, Brasília. Anais... Brasília: Intercom, 2006. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/r1107-1.pdf. Acesso em: 25jun2023.


MALERBA, João Paulo. Por uma genealogia das rádios comunitárias brasileiras. Revista Logos, Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p. 111-126, 2021. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/logos/article/view/28586/21240. Acesso em: 25jun2023.


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